Um dos mais relevantes desafios da humanidade, à medida que a população
global continua a crescer, é garantir água limpa para todos. Por isso, mais do que nunca,
é fundamental protegermos as terras que circundam nossos mananciais e bacias hidrográficas. Atenta a isso, a The Nature Conservancy, considerada a maior organização
ambiental do mundo, lançou recentemente um levantamento sobre as fontes de água que abastecem mais de 4 mil grandes e médias cidades de todo o planeta.
O estudo Para além do manancial: benefícios ambientais, econômicos e sociais
da proteção das fontes de água mostra como soluções baseadas na natureza,
a exemplo do reflorestamento e das boas práticas de manejo agrícola, podem ganhar escala,
de modo a fazer uma diferença significativa para o desenvolvimento sustentável, melhorando as vidas de bilhões de pessoas.
Um dos principais fatores de risco à disponibilidade de água nas médias e grandes cidades é a erosão de rios e nascentes.
O levantamento da TNC aponta que 80% das cidades analisadas podem reduzir significativamente a presença de sedimentos e nutrientes nas fontes de água
usadas em seu abastecimento, se protegerem as florestas ao redor dessas fontes, fizerem o reflorestamento de áreas estratégicas e estimularem boas práticas agrícolas.
A vegetação em áreas de mananciais é imprescindível para que a população tenha água porque as árvores ajudam as gotas de chuva a se infiltrar no solo, o que forma nascentes e rios, e evitam, com suas raízes, que a terra seja carregada para os corpos d’água.
Garantir água limpa para São Paulo!
“Proteger as terras ao redor dos mananciais é fundamental para garantir o fornecimento de água no longo prazo”, diz Giulio Boccaletti, diretor-executivo global do programa de Águas da The Nature Conservancy. “Infelizmente, 40% das áreas de mananciais, no mundo,
mostram níveis moderados ou altos de degradação. Os impactos disso sobre a segurança hídrica podem ser graves”. No caso dos mananciais da Região Metropolitana de São Paulo, por exemplo, esse índice de degradação é superior a 70%.
Além de ajudar a garantir a disponibilidade de água nos reservatórios, as soluções baseadas na natureza propostas pelo estudo geram uma série de importantes benefícios. O reflorestamento e a conservação das florestas já existentes, por exemplo,
proporcionam a captura de gases que causam o aquecimento global e reduzem os impactos das mudanças climáticas (incluindo secas, enchentes, incêndios e erosão),
que afetam de forma desproporcional as comunidades mais pobres.
Já as boas práticas agrícolas permitem a preservação da diversidade de animais e vegetais e tornam as comunidades mais saudáveis. “Atribuindo um valor a esses benefícios indiretos, podemos mobilizar meios inovadores e de melhor custo-benefício, necessários para financiar a proteção dos habitats e as atividades de manejo da terra”, afirma Andrea Erickson-Quiroz, diretora-executiva de segurança hídrica da The Nature Conservancy.
O grande desafio, a segurança hídrica!
O relatório estima que, para elevar em 10% a redução dos sedimentos e nutrientes em 90% das bacias de mananciais, seria necessário aumentar os gastos anuais com os programas de financiamento de serviços ambientais de US$ 42 bilhões para US$ 48 bilhões. Esse patamar de financiamento representa cerca de 7% a 8% dos gastos com a água em todo o mundo,
e equivale ao que cidades como Nova York gastam na proteção das bacias que abastecem seus moradores.
Com esse nível de investimento, seria possível aumentar a segurança hídrica de pelo
menos 1,4 bilhão de pessoas, se ele se concentrar em bacias cuja redução de sedimentos
e nutrientes é mais econômica. No caso de metade das cidades analisadas, proteger
as águas dos mananciais poderia custar apenas dois dólares ou menos por pessoa, anualmente.
O relatório também destaca a importância dos mecanismos conhecidos como
Fundos de Água, que permitem aos usuários de água que vivem ao longo de uma bacia hidrográfica financiar a preservação e a restauração das terras no começo dessa bacia.
Esse é um mecanismo bem-sucedido para assegurar uma melhor qualidade da água e,
em alguns casos, uma vazão mais confiável.
O relatório ainda estima que uma em cada seis cidades (o que corresponderia a aproximadamente 690 cidades, prestando serviço a mais de 433 milhões de habitantes
em todo o mundo) tem potencial de recuperar integralmente os custos das medidas de preservação somente com a economia que teriam com o tratamento da água.
Outras cidades podem extrair valor adicional dos benefícios indiretos, obtendo, no total,
um valor acumulado que proporciona um retorno positivo sobre o investimento.
Exemplos globais de proteção das águas!
Melhorias na segurança hídrica: Nairóbi, Quênia — O Fundo de Água do Alto
Tana-Nairóbi apoia os agricultores locais, ao mesmo tempo em que reduz os sedimentos
do rio Tana, que dificultam o fornecimento de água e a produção de energia hidrelétrica.
Província de Zhejiang, China: O Fundo de Água Longwu ajuda os agricultores a fazer
a transição para os métodos de cultivo orgânico do bambu, o que reduz o escoamento
de fertilizantes até os mananciais.
Atenuação das mudanças climáticas: São Paulo, Brasil — O reflorestamento de encostas áridas ajuda a reduzir a sedimentação dos mananciais e oferece benefícios vinculados
ao sequestro do carbono.
Adaptação às mudanças climáticas: Rio Grande, Novo México, EUA —
A redução do combustível florestal diminui a intensidade dos possíveis incêndios florestais e o posterior escoamento de sedimentos até os mananciais.
Monterrey, México: O reflorestamento possibilita a infiltração da água no solo e reduz a erosão em períodos de alta precipitação.
Brasil!
Saúde e bem-estar humanos: Pucará, Bolívia — Práticas agrícolas aprimoradas reduzem
a poluição da água e as doenças de veiculação hídrica nas comunidades vizinhas.
Vale do Cauca, Colômbia: Árvores plantadas entre as lavouras oferecem aos agricultores novas fontes de alimentos e renda, além de reduzirem a erosão.
Preservação da biodiversidade: Rio de Janeiro, Brasil — O reflorestamento melhora a qualidade da água e proporciona o habitat para uma vida animal e vegetal diversificadas.
Para que os bons exemplos já existentes ganhem escala, mais do que superar os desafios
dos custos desse investimento, é necessário que a sociedade se comprometa com o futuro dos recursos hídricos, o que inclui governos nacionais e locais, empresas, organizações civis
e a própria população. As companhias de abastecimento e os gestores da água nos governos também têm o papel crucial de propor ações ambientais que tragam ganhos econômicos e sociais.
“As nossas aspirações de criar um mundo melhor exigem uma atuação coletiva”,
diz Erickson-Quiroz. “Não podemos nos permitir trabalhar em grupos com motivação, jurisdição ou recursos financeiros isolados. As cidades podem tomar a dianteira,
mas não sozinhas. Todos nós temos um papel a desempenhar”.
Ações de conservação de nascentes!
No Brasil, um exemplo de ação conjunta pela proteção dos mananciais é a Coalizão
Cidades pela Água, uma iniciativa da TNC em parceria com o setor privado, lançada em novembro de 2015, com objetivo de ampliar a segurança hídrica de 12 regiões
metropolitanas brasileiras, até 202. Por meio de ações de conservação de nascentes
e rios em áreas críticas para a produção de água, a iniciativa ajudará a garantir
disponibilidade de água para 42 milhões de pessoas nessas cidades, trará benefícios
para 46 mil famílias em áreas urbanas e rurais no começo das 21 bacias hidrográficas
onde o projeto atua e recuperará ou protegerá cerca de 460 mil hectares de florestas.
“Esse estudo amplia as evidências de que as soluções baseadas na natureza aumentam
a segurança hídrica nas cidades. Essas iniciativas não podem mais ser apenas uma alternativa, elas devem estar no centro das decisões dos gestores públicos e privados
para a gestão da água”, afirma Samuel Barrêto, gerente de Água da TNC no Brasil.
O relatório foi elaborado em parceria com o Projeto Natural Capital, a Forest Trends,
o Banco Interamericano de Desenvolvimento e a Parceria de Fundos de Água da
América Latina.